A carne cultivada em laboratório ganha força à medida que se move da placa de Petri para a mesa de jantar

 

Uma equipe de pesquisa de Harvard criou agora células musculares de coelho e vaca cultivadas em laboratório que se assemelham à textura e consistência de suas contrapartes animais. Ao aplicar a medicina regenerativa aos alimentos, a equipe da Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas de Harvard John A. Paulson (SEAS) criou uma camada de gelatina comestível que poderia transformar a escalabilidade da carne cultivada em laboratório.

 

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A carne animal é composta principalmente de fibras musculares que precisam aderir a uma estrutura para crescer. A equipe decidiu criar essa estrutura a partir de gelatina usando o Rotary Jet-Spinning por imersão (iRJS), que usa força centrífuga para girar nanofibras longas de formas e tamanhos específicos. As fibras de gelatina se assemelham à matriz extracelular e promovem o crescimento das células musculares. Eventualmente, a equipe espera projetar carnes com texturas, gostos e perfis nutricionais definidos – tudo a um preço acessível.

O gado contribui com 14,5% do total de emissões de gases do efeito estufa no mundo. No entanto, o mercado global de carne vale mais de US $ 1,8 trilhão. Um terço das calorias consumidas por humanos são provenientes de produtos à base de carne, e o americano médio hoje consome 100 Kg de carne vermelha e aves por ano (Um aumento considerável em relação à 1990 que era de 75 Kg).

Para conter os danos ambientais prejudiciais associados a esses hábitos de consumo, precisamos de uma alternativa que tenha o mesmo sabor. Enquanto muitas empresas de carne cultivadas em laboratório dominam a textura, questões de preço e escala ainda impedem a adoção generalizada de seus produtos.

A tecnologia das camadas de gelatina da equipe SEAS poderia resolver os dois desafios, pois permite que as células musculares cresçam rapidamente e possam ser ingeridas juntamente com a carne.

Agora, cada vez mais competitivos em termos de preços, vários produtos cultivados em laboratório, como o substituto de ovo de Clara e as almôndegas de Memphis Meats, em breve começarão a minar hoje os produtos à base de plantas no mercado.

Mas, além da economia, uma série de novos avanços na tecnologia de alimentos nos permite personalizar o conteúdo nutricional, os perfis de sabor e a textura.

 

“Carnes” feitas de plantas

 

Gigantes do ramo de proteína animal, incluindo a brasileira JBS, poderão sentir na carne, muito em breve, os efeitos da disrupção do mercado, vindos diretamente da evolução das chamadas proteínas de laboratório – é o que diz um report divulgado pela CB Insights. Muitas startups, como as americanas Impossible Foods e Beyond Meat, estão recebendo a atenção de investidores e expandindo suas atuações muito além de pontos de venda especializados.

 

Carne-feita-de-planta

 

Na premissa de desenvolver produtos que se assemelham muito a proteína animal, inclusive a suculência, as startups seguem em intensa pesquisa tecnológica para alcançar resultados cada vez melhores. Um dos desafios é a otimização de investimento, visto que é quase 12 vezes mais cara a produção das “carnes” plant based.

De olho na tendência e no crescente mercado, a Nestlé já anunciou que irá lançar seu plant-based burger nos próximos meses através da marca Sweet Earth, adquirida em 2017. Isso significa uma dura concorrência para a startups que saíram na frente. Como uma das maiores empresas de alimentos do mundo, a Nestlé tem como escalar e diminuir os custos de produção.

O mercado de plant based meat nos EUA está a todo vapor. Em um cenário no qual 18% dos americanos afirmam ter a intenção de reduzir o consumo de proteína animal, a foodtech Beyond Meat viu suas ações alcançarem valor recorde essa semana. Os papéis atingiram uma alta de 720% em relação ao valor inicial de seu IPO. Com isso, a Beyond Meat chegou a um valor de mercado de US$ 11,9 bilhões. 

Sim, são números impressionantes quando colocados assim, mas são ainda mais surpreendentes quando comparados com os maiores IPOs tech de 2019. Fiz um compilado abaixo do valor da oferta inicial e variação até julho.

Beyond Meat + 720%
Zoom + 171%
Pinterest   + 39%
Slack  + 29%
Uber  – 2%
Lyft  – 8%

Sabemos que investimento se ganha no longo prazo. Porém, aqui neste caso, a Beyond Meat, fundada em 2009, tem se mostrado uma boa aposta com seus produtos veganos, que chegaram ao mercado somente em 2016. 

Em território nacional, a história se repete. A Fazenda Futuro, foodtech brasileira que produz um hambúrguer à base de plantas, recebeu uma rodada Série A no valor de US$ 8,5 milhões, comandada pela Monashees, com participação da Go4it Capital. O valuation da startup, que colocou seu produto no mercado há poucos meses, chegou a US$ 100 milhões.

 

Carnes feitas em laboratório podem ajudar a preservar o meio ambiente

 

O dia 19 de agosto de 2019, uma segunda-feira, ficou conhecido como “o dia que virou noite” em São Paulo. Milhares de pessoas fizeram posts nas redes sociais expressando sua indignação com o fato de que, por volta das 15h, estava escuro como se fosse 19h.

 

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Até então, ninguém sabia a causa daquilo tudo. Mas a internet não demorou para criar suas próprias especulações e teorias…

 

Logo chegaram à conclusão de que se tratava de um episódio causado por queimadas deliberadas na Amazônia, que tem sido notícia frequente no governo atual, com críticas aos fiscais do Ibama e o licenciamento ambiental.

Das 22h da quarta até às 12h de quinta, foram postados mais de 2,5 milhões de tuítes sobre a Amazônia. Comoção global.

Foram feitos milhares de posts criticando as investidas do governo, que tentou contestar os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que apontaram aumento do desmate em julho e julho.

Mas apesar da comoção global e o incessante apontamento de dedos para encontrar um culpado… a verdade é que nós também temos culpa nessa história toda — e não é pouca.

Muitas pessoas acreditam que a agricultura é o principal responsável pelas irresponsáveis queimadas na Amazônia… mas nada poderia estar mais longe da verdade.

De acordo com o próprio Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais), 9 em cada 10 focos de queimadas em áreas destinadas ao agronegócio foram em pastagens para criação de gado.

Segundo a pesquisa, 6.047 focos de incêndio ocorreram em áreas utilizadas para agricultura e pecuária no período. Desse total, 5.445 foram em pastagens, enquanto 602 em áreas de cultivo.

A não ser que você seja vegetariano ou vegano (e não, eu também não sou nem um nem outro), sua parcela de culpa não é pequena. Veja bem:

Cerca de 78 por cento do desmatamento na Amazônia aconteceu para abrir espaço para os pastos, segundo o Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Logicamente, diminuir o consumo de carne (principalmente a vermelha) reduziria a pressão para expansão desses pastos sobre a floresta.

Todos os dias, a Amazônia é desmatada para criação de gado que irá parar nos supermercados e, por fim, nas nossas mesas. Nós financiamos esse sistema todos os dias.

Mas o problema também vai muito além da esfera da preservação da Amazônia: a indústria da carne já se mostrou insustentável e os dados apontam que cerca de 60 por cento da biodiversidade global está sofrendo impacto por conta do plantio para alimentar animais.

Um dos maiores adeptos da campanha por menos carne e mais florestas é o biólogo americano Edward Wilson, da Universidade Harvard.

Ele defende que só será possível alimentar a população mundial no fim do século — estimada em 10 bilhões de pessoas — se todos tiverem uma dieta vegetariana.

E por mais que isso possa soar como uma loucura para nós, amantes do churrasco, “o raciocínio é matemático”, defende Greif. Segundo o cientista, alimentar os bois com pasto ou grãos é o meio menos eficiente de gerar calorias:

A produção de grãos de uma fazenda com 100 hectares pode alimentar 1.100 pessoas comendo soja, ou 2.500 com milho. Agora, se a produção dessa área for usada para ração bovina ou pasto, a carne produzida alimentaria o equivalente a somente 8 pessoas.

Mesmo que a população reduzisse ou boicotasse por completo o consumo de carne vermelha, não seria o suficiente, uma vez que a criação de frangos e porcos também afeta as florestas, já que para alimentar esses animais é preciso derrubar árvores para plantar soja e produzir ração.

No entanto, analisando a relação custo-benefício entre espaço, recursos naturais e ganho calórico… o boi (carne vermelha) ainda é o pior.

Hoje, no Brasil, há quase um boi para cada pessoas — mantemos 195 milhões de bovinos e cerca de 35 por cento deles se encontram na Amazônia. Para engordar todo este rebanho, pecuaristas precisaram desmatar uma área aproximada de 550 km², o equivalente ao estado de Minas Gerais.

 

Parar de comer carne é a solução?

 

De fato, diante de todos esses dados, teoricamente, para de ingerir alimentos de origem animal pareceria ser a solução. No entanto, isso é uma visão utópica levando em conta os fatores culturais e de hábitos fortemente presentes na vida das pessoas. 

Um exemplo, seria o gosto do brasileiro pelo churrasco, que vai além da ingestão da carne, tem todo um apelo social envolvendo a ocasião. Dificilmente, pelo menos na próxima década, isso deve mudar. 

 

Churrasco

 

Um segundo problema seria convencer a parcela da população mais pobre que acabou de comemorar sua ascensão social, passando a ter poder aquisitivo suficiente para comprar carnes, a abrir mão desse prazer. 

Com a estabilização da economia mundial, muitos começaram a comer seus primeiros bifes diários nessa última década. “Falar para essa população que agora ela não pode comer carne pelo bem da Amazônia é, no mínimo, cruel.”

 

Oportunidades para o futuro

 

De acordo com a A.T. Kearney — uma das mais respeitadas empresas de consultoria do mundo, com escritórios em 90 países, 3.500 funcionários e receita de 1,3 bilhão de dólares no último ano — até 2040, 60 por cento da carne consumida no mundo NÃO será de origem animal.

Segundo os dados apontados, o número de veganos e vegetarianos aumentará cada vez mais e até os menos engajados com a causa passarão a dar mais atenção às pautas que envolvem a diminuição ou extinção do consumo de carne — como impactos ambientais, malefícios para a saúde e a própria empatia com os animais.

 

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E apesar da nossa “cultura carnívora”, o número de vegetarianos está crescendo de uma maneira assustadora. No Brasil, uma pesquisa realizada pelo Ibope em abril do ano passado mostrou que 14 por cento da população se declara vegetariana, totalizando 30 milhões de pessoas.

 

Por mais que ainda não seja uma quantidade tão significativa pensando no total de cidadãos, o número assusta quando vemos que, há 5 anos, a porcentagem de brasileiros vegetarianos era de 9 por cento.

O “barulho” feito pelos vegetarianos e veganos começou a ficar alto demais para ser ignorado. McDonald’s, Burger King, BRF, Nestlé, JBS, Tyson Foods, Danone e KFC são apenas algumas grandes marcas que aderiram recentemente à tendência veggie, investindo pesado em produtos que atendam a demanda desses públicos.

 

 

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Pat Brown, CEO da Impossible Foods (a maior concorrente da Beyond Meat nos EUA), lança mais uma alternativa para o grupo das carnes vegetais: a “carne” de porco. Sua ideia é, cada vez mais, transformar a humanidade e seus hábitos, oferecendo opções que não são derivadas de animais.

Ou, como ele mesmo diz, “ninguém gosta do fato da carne ser feita de um cadáver de animal”. Assim, ele segue na incansável missão de resolver dois problemas de uma única vez: a mudança climática catastrófica e o colapso da biodiversidade.

Mas por que carne de porco? A proteína é a mais consumida no mundo, e isso coloca a empresa a um passo de se aproximar cada vez mais do seu objetivo. Não se consegue endereçar estas questões sem considerar países superpopulosos (aqui logo pensamos Índia e China, mas não somente) que contribuem para esse consumo.

Mas também há tecnologia envolvida nessa decisão! Outro motivo que levou a empresa a criar a “carne” de porco antes de peixe ou frango foi a textura necessária. Os ingredientes utilizados para produzir o hambúrguer “bovino” e dar a textura de carne são muito semelhantes aos que seriam necessários para criar a carne suína, alterando apenas as proporções dos ingredientes.

Também será lançada a salsicha vegana da marca, oferecendo mais uma opção para o público.  

Agora nos resta saber o que profissionais do setor do agronegócio e pecuaristas brasileiros farão para surfar essa onda e não serem engolidos por ela. 

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