Por Josué Gomes

 

O que mais ouço nesses anos que estudo o assunto é: “Eu tenho uma ótima ideia. Inventei o Uber disso o Uber daquilo”. Na boa, sem querer desanimar ninguém, mas isso já está bastante batido. E, com a experiência de muitas pessoas que estão trabalhando com o processo de validação de startups há muitos anos, não só eu, aliás, aprendi com essas pessoas e aprendi quebrando a cara com as minhas startups, alguns consensos já estão bem sedimentados. Vamos discorrer hoje sobre eles para você não perder tempo até quebrar a cara também. As palavras são fortes mas o objetivo é que você não perca um ano ou dois tentando implementar a sua ideia da forma errada (como eu fiz). Isso pode lhe custar um tempo precioso, grana, que a maioria das startups não tem no início e o pior, o timing do negócio. O que é isso? Você pode perder o trem da história. A ideia até podia ser boa mas, como a implementação foi demorada, você perdeu o momento.

Sem mais delongas, vamos ao roteiro que já está bem consolidado e é quase consenso para os mais experientes no assunto:

 

1 – Tive uma ideia e vou procurar um investidor anjo

 

Na grande maioria das vezes, isso é uma péssima ideia. Por que? Você concentrou a expectativa de sucesso da sua ideia ao fato de conseguir um investido anjo. Ledo engano. “Ah mas eu tenho um bom Business Plan em um Power Point bem feito”. Vou lhe falar o que ouvi de um investidor anjo na França uma vez. “Desculpe, com todo respeito, mas eu recebo 10 PPTs como esse por dia no meu e-mail”.

 

Business-plan.

 

Eu não gosto de planos. Eu gosto de métricas coletadas de atividades reais. Até o Mike Tyson disse uma vez: “Todo mundo tem um plano até levar a primeira porrada.” Acredito que é por aí. São muitas variáveis para a gente ter a pretensão de achar que vai controlá-las. Prefiro fazer, ir para o mercado, testar e corrigir a rota se necessário. Você faz um Business Plan lindo maravilhoso, Fica um tempão fazendo, vai para o mercado e…. nada daquilo acontece. O mercado é soberano. O mercado é rei. Ouça o mercado. E não é perguntar para as pessoas: “Você compraria esse produto se ele existisse”. Muitas vezes, as pessoas para serem simpáticas dirão que sim. Lembre-se, as métricas têm que ser reais. Seja honesto consigo mesmo. Não se engane. Então, faça o MVP (produto minimamente viável) e venda de verdade e colha o feedback.

Você deve concentrar o seu tempo e energia em conseguir resultados consistentes. Muito dificilmente um investidor anjo investe em ideias. Eles falam que ideias valem 5 dólares a bacia. Eles investem em times que tem capacidade de entregar resultados consistentes. E como eles sabem que o time tem essa capacidade? Ora, eles vão pedir os números. Que números? Por exemplo taxa de crescimento, LVT (o tempo que o cliente fica na sua plataforma consumindo o seu produto), Breakeven (quando você vai igualar despesas com receitas), CAC (custo de aquisição de clientes), taxa de desinstalação (qual é a porcentagem de pessoas que desinstalam o seu app), quanto você investiu do próprio dinheiro, entre outros. Então, até você não ter números consistentes, não aconselho procurar um investidor anjo, a não ser que seja um negócio altamente disruptivo, hard tech (uma tecnologia muito avançada), com uma barreira de entrada elevada (alta dificuldade de outras pessoas copiarem o seu negócio), como por exemplo um cientista que descobriu uma forma de imprimir um órgão humano viável, aí sim, provavelmente você conseguirá um investidor anjo sem mostrar os números acima.

 

Impressão-3d-de-órgão

 

2 – Você tem uma ideia? Ótimo. Vá para o mercado e a valide

 

“Ah, mas não tenho o aplicativo pronto ainda.” Faça o app, ou site, ou protótipo da forma mais simples e barata possível, vá para o mercado e teste na vida real com os possíveis clientes, obtenha feedbacks, melhore seu produto, volte ao mercado, valide de novo (de preferência com pessoas diferentes para você obter outros pontos de vista) e obtenha os dados descritos no tópico anterior. Dependendo dos dados, persista ou pivote (desista da ideia atual e parta para outra). Tem um ditado no Vale do Silício que diz que “Se você não tem vergonha do seu primeiro produto, você foi para o mercado tarde demais.”

 

3 – Leia o livro “A Startup Enxuta” de Eric Ries

 

Esse livro é de leitura obrigatória para quem vai começar uma startup. Ele vai discorrer com mais profundidade os dois tópicos anteriores.

 

Livro a startup enxuta

 

4 – “Ah. mas não tenho dinheiro”

 

Mais um ponto que o investidor anjo pode lhe encurralar. Se você não investir o seu próprio dinheiro no seu negócio, significa que você não acredita nele tanto assim e quer transferir todo o risco para ele. “Ah, mas como eu disse, eu não tenho dinheiro”. Venda seu carro e invista no seu negócio se você acredita tanto assim. Ou entre no cheque especial (Isso nem eu nem o Flávio Augusto recomendamos apesar de termos feito).

Já comecei um negócio com R$ 179,00. Fiz um logo e um site (eu mesmo) e enviei para o WhatsApp dos meus conhecidos e pedi para eles divulgarem. Deu certo, consegui fazer a grana entrar. Se tratava de um curso. Detectei uma oportunidade, procurei alguns amigos que entendiam do assunto, eles toparam dar o curso, criei o site, divulguei, cobrei, marquei o dia do curso, meu amigo foi dar a aula, paguei o meu amigo e fiquei com a minha parte. Existem sites (o Fiverr por exemplo) onde você encontra freelancers  que cobram a partir de 5 dólares um logo, 20 dólares um site, 100 dólares um apk (programa executável que se instala diretamente no Android sem precisar publicar no Google Play). Então, não ter dinheiro não é desculpa.

 

5 – Sócios. Ter ou não ter? Eis a questão.

 

Se você tem a intenção de procurar um investidor anjo e não possui todas as expertises exigidas no seu negócio, ter sócios com habilidades complementares vão contar muitos pontos. Por exemplo, se o seu negócio é de tecnologia e você não tem um sócio TI no time, nem perca seu tempo procurando um investidor.

 

Sócio

 

Agora, se você não pretende procurar um investidor anjo e não tem necessidade de alguma outra pessoa com conhecimentos complementares, seguir a startup com comando solo pode ser uma opção. Se bem que, mesmo nesse cenário, se você fizer um bom programa de crescimento da empresa, muito provavelmente você precisará dar participações para colaboradores estratégicos e que entregam ou foram decisivos em algumas etapas da expansão do negócio. Isso se chama “Motor de Crescimento” que é quando você faz as pessoas se sentirem parte do negócio e ou donas e dão o seu máximo.

 

6 – Se pergunte: Qual dor (solução de problema específico) o meu negócio resolve?

 

42% das startups morrem por falta de mercado. Você acha que teve uma boa ideia mas, ao ir para o mercado, descobre que as pessoas ou as empresas não precisam (ou ainda não estão prontas) para aquela solução. Pesquise quais as soluções que as pessoas ou empresas estão procurando. Quando você foca na solução e não na ideia, você aumenta muito as chances de sucesso (das startups que deram certo, 10% eram baseadas em ideias e 90% eram baseadas em soluções).

Você pode encontrar insights com amigos, familiares, fazendo pesquisa de mercado com possíveis clientes e através de ferramentas como o Google Trends por exemplo, que mostra a tendência de alta ou queda que um determinado assunto ou palavra chave está tendo. Mas o ideal mesmo é sair a campo. Olhar nos olhos das pessoas. Captar as nuances e obter informações encima de um comportamento que você detectou naquele exato momento, coisas que são impossíveis quando você envia só um formulário. Se puder, viaje para outros países, de preferência mais avançados, muitas “ideias” de negócios que deram certo aqui, na verdade foram copiadas de outros lugares.

 

7 – Investidor anjo. Ter ou não ter? Eis a questão. 

 

Investidor-anjo

 

Uma startup não é obrigada a ter um investidor anjo para atingir o sucesso necessariamente. Existem vantagens e desvantagens em se ter um investidor anjo.

As vantagens são:

  • O smart money (você deve procurar não só o dinheiro mas um investidor que possa potencializar o seu negócio, quer seja através da sua expertise, quer seja através de network).
  • A grana, obviamente, que vai alavancar o seu negócio, ajudá-lo a adquirir algum equipamento ou tecnologia que vai ajudar muito no processo.

As desvantagens são:

  • Você vai perder um percentual do seu negócio. Tome muito cuidado para não perder um percentual que vai levá-lo à desmotivação, embora a maioria dos investidores anjos saibam disso e tomam esse cuidado.
  • Você vai ter que se reportar ao seu investidor anjo sobre os resultados e será cobrado por isso.
  • A grana. Sim, você não leu errado. A grana. Por quê? Pode lhe dar a falsa sensação de que está tudo bem. De que você tem dinheiro em caixa e que pode investir à vontade. Ledo engano. O dinheiro acaba. E se você não estiver com um crescimento consistente e responsável, uma hora a bomba vai explodir no seu colo. Que bomba? A hora que o dinheiro acabar e os números não forem sustentáveis, você vai quebrar. Então, como eu falei no início, acompanhe as métricas. O CAC deve ser menor do que o lucro que você está tendo com os clientes. De preferência muito menor. Para ajudar neste quesito, muito cuidado com a manutenção dos atuais clientes. manter os clientes atuais é muito mais barato do que conquistar novos.

 

8 – Termo de confidencialidade

 

Se você optou por ter um investidor anjo e vai para a primeira reunião, minha sugestão é: não exija a assinatura de um termo de confidencialidade. Eles não gostam. Eles ouvem ideias o tempo todo. Pesquise antes sobre ele, veja se ele é ético, se ele tem sinergia com seu negócio. Veja se você vai com a cara dele. Afinal, ele será seu sócio e sociedade é um casamento. Eles não vão roubar sua ideia (não que ache impossível mas acredito que é muito pouco provável). Eles sabem que a ideia sem a capacidade de execução não vale quase nada. Eles estão a fim de investir e colher lá na frente e não de empreender.  Como disse no início, o time e a capacidade de entrega são os principais fatores de avaliação de uma startup. Não a ideia.

 

9 – Não tenha compromisso com o fracasso

 

Se após ir para o mercado, você não obtiver sucesso, você acha que fez tudo certo mas não deu. Não pegou. Não encaixou. Você resolveu um problema real de alguém, criou uma ferramente para as pessoas ou empresas ganharem mais dinheiro ou mais produtividade ou diminuírem custos, revisou o valor da sua solução, a usabilidade, verificou que está intuitivo, mesmo assim não conseguiu decolar, paciência, não tenha compromisso com o fracasso. Aprenda com seus erros e parta para a próxima (se você quiser). Não conheço nenhum empresário que acertou de primeira. A grande maioria dos empresários de sucesso quebraram várias vezes. Inclusive isso é muito bem visto no Vale do Silício.

Deixe um comentário